THC


o THC tem estrutura química semelhante a de um terpenoEm 1990, arqueologistas israelenses se depararam com um quebra-cabeças: o esqueleto de uma mulher que morrera há mais de 1600 anos e que carregava, no seu ventre, o esqueleto de um feto. Junto com os restos mortais de mãe e filha, os arqueologistas encontraram grande quantidade de cinzas. Ao analisar no laboratório, a surpresa: as cinzas continham traços de THC. Várias especulações surgiram, sendo que uma delas era de que a mulher havia fumado marijuana para aliviar a sua dor na hora da morte.

Mas não é este o mérito da questão. O que merece destaque na notícia acima é o fato de que o nome de uma substância química foi utilizado sem causar nenhum espanto ao leitor: THC é mais um exemplo de nomenclatura química que deixa o meio acadêmico e se instala no senso comum da população. Mas o que é o THC? O que faz com que milhões de jovens e adultos passem boa parte de sua vida fumando maconha? O que esta erva faz com nosso organismo? Para estas e outras perguntas, QMCWEB apresenta as respostas.

Canabinnóides

Os cannabinóides são compostos com estruturas semelhantes aos terpenos - tal como o limoneno abaixo.

limoneno

Cannabidiol (CBD)

Cannabinol (CBN)

d-9-tetrahidrocannabinol (THC)

Cromatograma de uma amostra de cannabis
Cromatograma iônico de uma amostra de cannabis extraído com acetato de etila, contendo tetracosano como referência.
(Forensic Science International 95 (1998) 153–162)

Vamos começar pelo 6,6,9-trimetil-3-pentil-6H-dibenzo[b,d]piran-1-ol: este é o nome IUPAC do THC, substância tóxica, cujo LD50 é 730 mg/kg via oral e 42 mg/kg se inalado. O principal constituinte ativo da marijuana tem sido investigado desde 1899, mas a primeira isolação da forma pura do d-9-tetrahidrocannabinol somente ocorreu em 1964. Um ano mais tarde, químicos obtiveram a forma sintética da droga. O THC é apenas um dos vários cannabinóides - compostos terpenóides (com estrutura similar aos terpenos, como o limoneno) que ocorrem nos óleos essenciais de várias plantas, tal como na cannabis. Nas plantas, as funções destas substâncias estão relacionadas à produção de vitaminas, esteróides e pigmentos. Também funcionam como mecanimos de defesa contra os predadores, por interferirem no sistema biológico dos animais que comem suas folhas. Os cannabinóides são essencialmente moléculas apolares, com baixa solubilidade em água - por isso são geralmente administrados através de cigarros.

 

Arraste de vapor

Fininho...
O baseado - que contém algo como 3 mg de THC - funciona como numa destilação por arraste de vapor: a fumaça quente, proveniente da combustão da erva na ponta do cigarro, arrasta a fração volátil da erva ao passar pela extensão do baseado, até chegar ao pulmão do usuário. Com a utilização do bong (cachimbo-d'água), as substâncias hidrossolúveis da fração volátil são eliminadas.

Embora seja o mais popular e o mais ativo, o THC não é o único cannabinóide da marijuana com atividade fisiológica nos humanos. Muitos outros também tem atividades, sendo muitas vezes agonistas do THC. Estudos mostram que os efeitos provocados pela administração do THC puro são muito diversos daqueles sentidos no uso da marijuana.

Cabeça mais leve, taquicardia, secura da boca e da garganta, vermelhidão dos olhos: os efeitos da maconha são clássicos e conhecidos. A mãe logo descobre que o filho andou fumando maconha apenas observando alguns destes sintomas - associados à súbita mudança de comportamento e de amigos, além do odor (maresia) característicos.

Os efeitos da marijuana variam muito, dependendo da qualidade da erva, da quantidade consumida, da forma de consumo e da experiência do usuário. Os efeitos psicológicos tendem a predominar sobre os fisiológicos. Resumidamente, pode-se dizer que a maconha provoca uma leve euforia, distorções espaço-temporais, alteração do humor, taquicardia, dilatação dos vasos sanguíneos oculares, secura da boca e tontura. Entretanto, doses mais elevadas podem vir a provocar uma intoxicação aguda (raro com baseados, comum com hashish). Neste caso, o usuário tem fortes alucinações audio-visuais, ansiedade, depressão, reações paranóicas e outras psicoses, além de incoordenação motora e desconforto físico.

Até o papel para se fechar o baseado é feito com hempEstudos têm mostrado que, mesmo em usuários crônicos, a retirada súbita da droga não causa nenhum sintoma agudo, isto é, não se observa nenhuma dependência física da droga. Entretanto, o uso contínuo da marijuana pode dirigir o usuário a uma habituação psicológica, caracterizando o vício.

Dentre as várias manifestações psicológicas da cannabis, algumas são particularmente comuns: a euforia e a hilariedade. Logo nas primeiras tragadas do baseado, o usuário se sente eufórico e mais susceptível a longas gargalhadas. Outro fenômeno comum é a dislexia, ou seja, a dificuldade de manter a concentração em um determinado assunto: a marijuana parece perturbar o fluxo contínuo das idéias. Outro efeito bastante conhecido é a perturbação da memória: indivíduos que fumam maconha tendem a esquecer mais facilmente e, também, apresetarem sérios problemas de memória a longo prazo. Um fator positivo da marijuana, em relação a outros narcóticos, e o aumento da sociabilidade do usuário e, também, da pacificação provocada pela droga: a maconha diminui a agressividade. Muitos usuários - sobretudo os inexperientes - relatam vivenciar situações de medo, pânico e ansiedade. Algumas vezes, ocorre a popular "síndrome da morte iminente".

Sob o ponto de vista científico, o álcool é extremamente mais prejudicial e tóxico do que a marijuana. Existem muito mais mortes associadas ao consumo de álcool do que ao de marijuana. Os efeitos fisiológicos debilitadores são muito mais intensos com o álcool do que com a marijuana. As chances de intoxicação aguda são maiores com o álcool. Mas isto, entretanto, não serve como uma desculpa para a liberação do consumo da marijuana: deve ser visto como um estímulo à proibição, também, do álcool, sob as mesmas premissas. Sob o ponto de vista dos que defendem a legalização da cannabis, a droga é um fraco alucinógeno, sem comparação aos narcóticos opióides ou à cocaína. Para estes grupos, a droga é uma válvula de escape para o stress da população, uma forma de se atingir um bem-estar e não está associada, de nenhuma forma, à violência: seria a proibição e marginalização da droga a responsável pelas mortes relacionadas ao tráfico.

Liberô geral!
Em Amsterdã, turistas lotam as praças públicas para fumar os diversos tipos de cannabis disponíveis nos bares, coffeshops e pubs da cidade.

A marijuana se tornou uma droga ilegal - a nível internacional - em 1925, durante a International Opium Convention. Em 1960, a maior parte dos países ocidentais já havia estabelecido leis nacionais que proibiam o uso e o consumo da marijuana, punindo os infratores com fortes penas. Um dos primeiros paises a se tornar tolerante à marijuana foi Netherland: em 1996 a legislatura de Netherland tornou legal o consumo e o plantio (desde que para consumo próprio) da marijuana. O resultado foi uma avalanche de turistas que, anualmente, lotam as praças e pubs de Amsterdã, onde experimentam a liberdade absoluta para consumir diversas qualidades de cannabis. Embora Netherland tenha experimentado a liberação de outras drogas, foi somente a marijuana que apresentou resultados toleráveis: hoje, o uso de heroína, cocaína e outros narcóticos é proibido neste país.


Festa da Maconha!
Em Seattle (Washington/US), anualmente ocorre a tradicional Hempfest - onde o consumo e apologia às drogas é totalmente liberado.

Mais recentemente, outros paises da comunidade européia passaram a rever suas legislações relacionadas à cannabis. Swiss e Portugal já aprovaram a liberação do consumo de marijuana, enquanto que a venda continua proibida. Continuamente, grupos debatem também a liberação em outros paises, como Belgium e UK. Vários estados do US (Alaska, Arizona, California, Colorado, Nevada, Oregon e Washington) aprovaram leis liberando o uso medicinal da marijuana, contrariando a legislação nacional.

Pode-se dizer que, em alguns anos, a legislação internacional com respeito à cannabis esteja diferente. Talvez a forte pressão de grupos organizados consigam a liberação, ao menos, parcial do consumo de marijuana. Entretanto, vale lembrar: no International Opium Convention, am 1925, estavam na pauta para a proibição internacional duas outras drogas muito conhecidas: o álcool e a nicotina. Devido ao enorme poder das indústrias tabagistas e de bebidas alcóolicas, estas duas drogas não foram banidas. A classificação de lícita e ilícita, portanto, é meramente baseada em argumentos econômico-políticos.



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Deu no Jornal!

Neuropharmacology 40 (2001) 702–709

THC mata neurônios!
Pesquisadores do Department of Physiology, Trinity College, Ireland, realizaram um estudo muito interessante com culturas de neurônios expostos ao THC.
Um dos efeitos conhecidos da marijuana é a debilitação da memória - principalmente a da memória recente. No estudo, Veronica Campbell descobriu que o THC induz os neurônios a mudanças morfológicas degenerativas e à formação de corpos apoptóticos - produtos da apoptose, isto é, morte das células.
O grupo trabalhou com culturas de neurônios que foram expostas a 3 preparações: um placebo de controle, uma solução 5 mM de THC e outra solução de mesma concentração de THC, mas com a presença de AM251 - um antagonista ao THC.
Abaixo, QMCWEB apresenta alguns de seus resultados.


Esta figura mostra o número de neurônios que sofrem apoptose em função do tempo de exposição a uma solução 5 mM de THC.


Estas duas microfotografias indicam uma maior quantidade de células que sofreram apoptose (células vermelhas) quando expostas ao THC.


Esta figura indica a ação antagonista do AM251: o número de neurônios degenerados diminui drasticamente na presença do antagonista, mesmo que expostos à mesma solução de THC.

Os autores indicam que seus resultados podem ser útil para esclarescer o mecanismo da degeneração cognitiva associado ao consumo de marijuana.


 

Ácido Bórico

O uso frequente de colírios é prejudicial
Colírios são prejudiciais

Um dos efeitos colaterais indiretos do uso de maconha ocorre nos olhos: os usuários, numa tentativa de disfarçar os olhos vermelhos - causados pela vasolidilação conjuntiva - colocam gotas diárias de colírios. O Moura Brasil e o Lerin são as marcas mais vendidas no país. Tanto, que o Moura Brasil figura entre os 100 medicamentos mais vendidos anualmente nas farmácias - e sem receita médica.

Contra chaves-de-cadeiaO Moura Brasil contém sulfato de zinco e ácido bórico, dois compostos que provocam uma vasoconstricção alérgica da conjuntiva. Outros colírios, como o Lerin, possuem vasoconstrictores anfetamínicos, como a nafazolina. Ambos são prejudiciais, a longo prazo, para os olhos, podendo causar catarata, glaucoma e cegueira. Além disso, colírios com nafazolina podem vir a provocar dependência física.

Então, como dizia Raul, quem não tem colírio, usa óculos escuro...




Deu no Jornal!

Drug and Alcohol Dependence 64 (2001) 143–149

Etanol aumenta a absorção do THC!
Muitas vezes o etanol e o THC são usados em conjunto: é comum usuários beberem e fumarem maconha ao mesmo tempo. Nestas ocasiões, grande parte dos usuários experimentam os efeitos da maconha de uma forma mais rápida e intensa. Um grupo de cientistas do Behavioral Psychopharmacology Research Laboratory, na Harvard Medical School em Belmont, MA/US, decidiu tirar esta história a limpo: seu trabalho investiga a relação entre o consumo de álcool e o nível plasmático de THC, além de medir os efeitos subjetivos da droga combinada com o etanol.

Seus resultados indicam claramente que o álcool altera a farmacocinética da absorção do THC. As figuras abaixo são alguns dos resultados obtidos, num grupo de mais de 70 usuários.


O aumento da dose de etanol provoca um claro aumento da concentração de THC - sobretudo nos primeiros minutos após a inalação da marijuana.


O tempo (subjetivo) para que os usuários sintam os primeiros efeitos do THC diminui drasticamente com o consumo de etanol. Perceba que no caso do baseado-placebo o tempo é praticametne o mesmo com ou sem etanol.

O incremento da concentração de THC no plasma sanguíneo - e a consequente potencialização de seus efeitos podem ser a causa da mistura etanol/THC ser tão popular entre usuários, principalmente adolescentes. Alternativamente, muitos usuários são apenas oportunistas, isto é, fumam somente quando estão em alguma festa e alguma outra pessoa apresenta a droga. Nestes casos, o consumo de etanol é frequentemente associado.

Este foi um dos primeiros trabalhos a lidar com o sinergismo etanol/THC.